quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A CULTURA DA MOBILIZAÇÃO.....


O decorrer dos fatos atuais no Egito deixou claro uma coisa:
Mobilizações populares ainda são a melhor maneira de promover mudanças, sejam elas individuais ou territoriais. A máxima onda de dna pulsante dentro do globo pode trazer benefícios, quando o bem pretendido é nobre. Nada de movimentos classistas onde uma minoria grita por mudanças em seu próprio bolso.
Mas sim uma centelha que promove deslocamentos tectônicos, em idéias que fazem diferença.

Vivemos dentro de um mundo binário colaborativo (por mais que ainda a velha retórica teime em pulsar), onde não cabe mais o isolamento retornável. Idéias geram mudanças e para que elas aconteçam é necessário mobilizações grupais. Os sites que promovem o chamado crowdfunding (arrecadação de recursos finaceiros provenientes do consumidor final, para catapultar projetos culturais), tem uma vocação revolucionária de massa em sua genética.

O visitante do site escolhe o projeto que mais move seus ventrículos e contribui com uma quantia em dinheiro. O valor do investimento é retribuído com uma recompensa que varia de projeto para projeto. Está então formada uma rede de tráfico cultural potente. O consumidor tem acesso ao conteúdo e ainda por cima pode escolher aquilo que gostaria de ver, ouvir ou ter. Fica a idéia de que a mobilização de massas é poderosamente produtora de sinapses de arte pura, sem intermediários. O artista em contato direto com o consumidor.

Aqui no Brasil uma inciativa pioneira partiu de três cabeças pensantes. Diego Reeberg, Luís Otávio Felipe Ribeiro e Daniel Weinmann. A confraria colaborativa chamada CATARSE é a plataforma de crowdfunding brasileira, que inicia 2011 com ambições cada vez maiores e números que dissolvem qualquer tentativa de pessimismo quanto a relevância e sucesso do site. Em três semanas 15 mil visitantes, mais de 1000 pessoas cadastradas e um total de R$ 10.000,00 investidos em idéias mobilizadoras, que vão desde peças teatrais de dança até um projeto sobre sustentabilidade.

O GD conversou com Luis e Diego, os dois cavaleiros de Jorge que estão lutando para que a cultura possa ser algo de fácil acesso e cada vez menos elitizada.


Como surgiu a idéia de um projeto do tipo crowdfunding inteiramente nacional?

Na verdade são dois lados da história. O meu e do Luís, a idéia veio depois que a gente resolveu procurar modelos de negócios interessantes fora do Brasil, pois queríamos empreender em algo. Aí a gente conheceu o Kickstarter, site norte-americano que foi um dos pioneiros em crowdfunding. A gente ficou encantado pelo modelo, pois tinha tudo a ver sobre com a forma que pensavamos que um negócio deveria ter: colaborativo, conectado às mídias sociais, promover mudanças na sociedade.

Do lado do pessoal da Softa (empresa de Porto Alegre que também é sócia no Catarse), a ideia veio do Daniel Weinmann. Ele é músico, dançarino de tango e, pra ele, a idéia surgiu como uma necessidade de financiar seus próprios projetos. Só depois ele veio a conhecer o Kickstarter.

Nos dois lados, a gente viu que no Brasil era necessário uma iniciativa como essa, pois vimos que muitos bons projetos não conseguiam obter financiamento e ficavam engavetados por isso. Como uma parte importante do processo é a curadoria, sabíamos que os sites estrangeiros não conseguiriam atuar no Brasil sem uma equipe própria. Achamos melhor começar isso então nós mesmos, com uma plataforma que fosse do jeito que quiséssemos.

Nosso maior exemplo é o Kickstarter, principalmente por causa do alto nível dos projetos que pareciam por lá. Mas também estudamos outros sites para entender os prós e contra do modelo. O Sellaband, primeiro plataforma de crowdfunding, que surgiu na Holanda e teve a música como seu foco também foi outra inspiração. O Ulule e o Fundbreak (que mudou seu nome agora para Pozible) também foram boas inspirações.

O projeto Catarse, dentro do seu tumblr, está constantemente colocando no ar notícias sobre outros sites do gênero. O projeto brasileiro mantém uma network com algum desses fora do país? Existe alguma idéia nesse sentido?

A gente teve contato com os responsáveis pelo Ulule, que foram sempre atenciosos. Mas, na verdade, nosso principal contato fora do Brasil é com o Gijsbert Koren , principal responsável pelo blog Smarter Money, que trata basicamente de crowdfunding, e um dos empreendedores por trás do CrowdAboutNow, plataforma de crowdfunding sediada na Holanda com foco em financiamento de empresas.

O público brasileiro que consome cultura já entende a idéia da Catarse? A receptividade está em que nível?

Na verdade a gente acha que ainda pouca gente conhece a idéia, mas a receptividade de quem já conheceu é muito grande. É normal haver dúvidas “E quem garante que o projeto vai ser executado? E se não me entregarem a recompensa? E se o dinheiro levantado não for suficiente?”, mas acho que ao compreenderem melhor o modelo – e a gente está mais do que disposto a responder essas dúvidas – o crowdfunding se consolidará em diversos meios.
Em pouco mais de 3 semanas desde que o Catarse está no ar já temos mais de 15 mil visitantes únicos, mais de 1000 pessoas cadastradas no site e 10 mil reais investidos nos projetos, acreditamos que são ótimos números para um site – e um modelo – iniciante.



Como vocês selecionam os trabalhos que serão colocados no site?

Primeiramente observamos se a ideia por trás do projeto bate com o mínimo de qualidade que queremos para o site. Não precisa ser algo inteiramente novo, mas tem que ter algum que de diferente, fora do comum, até meio louco (num bom sentido). Aqui o critério é mais subjetivo, lógico, mas acreditamos que seja importante para as pessoas que forem conhecendo o Catarse aos poucos saberem qual será o estilo de projetos que entrarão no nosso site, qual é a nossa cara.

A gente também olha que tipos de trabalho o dono do projeto já realizou. O ponto é conhecer, ao menos brevemente, o histórico dele e tentar entender se ele é uma pessoa apta a executar aquele projeto caso seja financiado.

Depois disso, a gente vai olhar o projeto em 4 aspectos: vídeo do projeto, descrição, recompensas e valor mínimo. Aqui a gente vai usar nossa experiência em ter acompanhado o que acontece no mundo em termos de crowdfunding nos últimos 10 meses para ajudar as pessoas a mandarem um projeto que tenha uma ótima qualidade e seja atrativo para o público. Caso o projeto não se enquadre no que consideramos como o mínimo aceitável para o Catarse e não se predisponha a realizar as alterações, ele não será postado no site. Na verdade, esse é um processo que usamos com o objetivo de aumentar a chance do projeto ser financiado com sucesso.

Você acredita que é possível o público brasileiro pagar por esse tipo de experiência ou ainda vivemos em um país que as pessoas estão apenas dispostas ao que é de graça?

Tenho certeza de que estão dispostas. O fato de as pessoas que apoiarem os projetos ganharem alguma recompensa, algum mimo, por isso, diminui a barreira para contribuir. Não estamos falando sobre doação, o que talvez seria mais difícil de pegar no Brasil, mas é algo que consideramos estar entre o mecenato e o comércio. Acreditamos que esse ponto é fundamental para o modelo ter sentido no nosso país.



Como vocês veêm o mercado de produção de conteúdo nacional? Projetos como a Catarse são a resposta à uma lei como a Rouanet, que por muitas vezes coloca em xeque a honestidade do sistema???

A gente tem uma crença muito forte de que tem muito projeto bom que ou não se adequa à lei ou não quer enfrentar toda a burocracia. Existem também muitos projetos de pequeno porte que precisam de agilidade e flexibilidade para procurar financiamento. A burocracia é um ponto importante. Se um projeto é enviado para nós e passa pela nossa triagem inicial em todos os pontos, autorizamos ele a entrar no site e começar a levantar o dinheiro em no máximo 2 dias (considerando finais de semana e feriados!).

E, lógico, quanto à honestidade do sistema, a gente acredita que o crowdfunding seja a maneira mais transparente de se financiar um projeto. O criador e seus apoiadores podem ter um diálogo aberto, direto, sem intermediários. Se o criador do projeto não for transparente, dificilmente ele captará aquilo que precisa. É um sistema que premia essas atitudes: honestidade e transparência.

 Um projeto como o de vocês realmente coloca nas mãos da população o poder de escolher o quer consumir no quesito cultura, vocês não se preocupam de alguma maneira com a diminuição da qualidade pelo apelo popularesco que a sociedade brasileira tem quando o assunto é cultura para grandes massas???

Não. Primeiro porque a grande maioria dos projetos é de nicho – e é a rede de relacionamentos existente nesse próprio nicho que apoiará a maior parte do valor que o projeto necessita.
Outro ponto é que a gente acredita que o site é uma grande vitrine dinâmica aonde as pessoas possam conhecer mais trabalhos artísticos diferentes e se interessar por eles. Na verdade, acreditamos no contrário do que propõe a pergunta, acreditamos em um processo de educação executado pelo Catarse onde cada vez mais a cultura será percebida com algo de maior valor.

Quem decide o sistema de recompensas para as pessoas que investem nos projetos e se existe um direcionamento para essas recompensas, feito pelo site, para que o interesse aumente?

As recompensas são decididas pelos próprios criadores do projeto, já que geralmente estão atreladas ao próprio resultado final da execução - que eles conhecem muito mais a fundo que nós. Além disso, podem ser muito pessoais, envolvendo habilidades do próprio criador para retribuir o incentivo de seus apoiadores. Apesar disso, nós ainda ajudamos muito os criadores a pensar não só nas recompensas em si, mas também em como descrevê-las, já que isso é parte fundamental para chamar a atenção das pessoas. Um dos grandes diferenciais desse modelo são as recompensas, não é uma doação é uma troca de valor.

Vocês acreditam que sites como o Catarse serão os futuros catalizadores na distribuição de cultura dentro dos países e aqui no Brasil. É possível que à partir de uma idéia como a de vocês, exista uma discussão de como a cultura deva ser difundida dentro do Brasil, para que todos tenham acesso?

Acreditamos sim, e isso porque o modelo tem tudo a ver com a sociedade que enxergamos para o futuro: colaborativa, interconectada, pautada na economia criativa. Também acreditamos que surgirão plataformas de nicho para permear todas as possibilidades relacionadas à cultura, como por exemplo é a iniciativa do Queremos (www.queremos.com.br), focado em trazer e produzir eventos culturais a partir do financiamento colaborativo.
E não é só possível, como necessário que haja essa discussão sobre a difusão da cultura, mas o momento será um pouco mais pra frente, quando o modelo já tiver um mais bem estabelecido, encorpado, e disseminado na sociedade. Acho que dessa forma a possibilidade de mobilizar e gerar uma mudança será maior.



A Catarse possui alguns projetos interessantíssimos, como por exemplo sobre sustentabilidade feito pela jornalista Natália Garcia. Vocês acreditam que não apenas discos e livros podem ser causadores de grandes mobilizações de crowdfunding, mas também projetos sociais?

Com certeza. Quando a gente fala em projetos criativos, estamos conversando sobre um mundo de possibilidades. Milhares de projetos sociais com ideias fantásticas estão espalhadas pelo Brasil e precisam desse empurrão financeiro. E outra coisa muito importante é que o Catarse, não só como possibilidade de ajudar esses projetos a serem financiados, funciona como uma vitrine para que mais pessoas conheçam e lutem por essas causas.

É possível no futuro um projeto político social ter espaço dentro de uma plataforma de crowdfunding? Algum político já procurou vocês para algo do gênero??

Nenhum político procurou a gente, mas a própria campanha da Marina Silva e, principalmente a do Barack Obama, nos EUA, tiverem forte apoio popular em favor de suas campanhas,
Acho que o crowdfunding é um mecanismo que eles deveriam usar para ajudar, com seu apoio e influência, a solucionar problemas de forma muito mais rápida e organizada.

 Quais os planos para o futuro. O Catarse já pensa em expandir os domínios ou ainda é cedo para pensar nisso???

A gente pensa sim em expandir os domínios, pelo menos a nível de América do Sul, mas não faremos isso antes de atingir um grande público aqui no Brasil. As possibilidades aqui são imensas, é impossível mensurar a quantidade de bons projetos que surgem a cada dia – além daqueles que estão parados só esperando esse empurrãozinho financeiro.